Não sei se isso acontece com todos, mas sempre que vejo um filme de Pedro Almodovár e vejo a chamada de inicio: “Um filme de Almodovár”, realmente me da um arrepio e tenho certeza que coisa muito boa vem por aí, em ‘A Pele Que Habito’ pode se dizer que coisa muito boa e muito tensa vem por aí. Pode se dizer também que Almodóvar não é um simples diretor, ele é um cineasta corajoso. Aclamado, reconhecido, premiado, poderia trabalhar em sua zona de conforto e desfrutar os louros da fama estabelecida reciclando o que vem fazendo, e muito bem, ao longo de sua carreira. Ousado, preferiu arriscar-se.
‘A Pele Que Habito’, chega ao paroxismo da mescla de gêneros levando às telas um filme angustiante, doentio, terrível em alguns momentos, mas com narrativa extraordinariamente sóbria, espontânea, e de uma genuína intensidade criadora.
Roberto Ledgard (Antonio Banderas) é um conceituado cirurgião plástico, que vive com a filha Norma (Bianca Suárez). Ela possui problemas psicológicos causados pela morte da mãe, que teve o corpo inteiramente queimado após um acidente de carro e, ao ver sua imagem refletida na janela, se suicidou. O médico de Norma acredita que esteja na hora dela tentar a socialização com outras pessoas e, com isso, incentiva que Roberto a leve para sair. Pai e filha vão juntos a um casamento, onde ela conhece Vicente (Jan Cornet). Eles vão até o jardim da mansão, onde Vicente a estupra. A situação gera um grande trauma em Norma, que passa a acreditar que seu pai a violentou, já que foi ele quem a encontrou desacordada. A partir de então Roberto elabora um plano para se vingar do estuprador.
Esse filme é completamente diferente na cinematografia de Almodovár, mas indiscutivelmente um Almodóvar. Estão lá estão suas obsessões com traição, solidão, identidade sexual e morte. Os planos almodavarianos, os close-ups e as cores - estas mais sombrias - e estão lá. A estes elementos típicos de seu cinema, o cineasta acrescentou um misto de ficção científica e horror. Uma amálgama tão complexa, um híbrido tão instável, que somente alguém talentoso como ele poderia ter misturado tais elementos sem criar uma bomba.
O filme que transita pela ficção científica e o cinema de terror dos anos 1930 em uma trama densa, repleta de melindres e que oferece novas aberturas e pontos de vista dependendo da perspectiva de quem observa, criando um clima essencialmente dúbio que remete ao cinema noir e seus personagens fracos e moralmente ambíguos é de simples perfeição e isso está visível não só na direção impecável como produção e roteiro.
Ao longo do filme, Almodóvar vai e volta no tempo construindo a historia de forma que as emoções do espectador fiquem sempre no ar, na expectativa do que pode acontecer no momento seguinte. É notável o domínio do diretor sobre o espaço cênico e sobre os limites de seus atores. Temos um Antonio Banderas impecável e seguro no papel do doutor Robert Ledgard. A bela atriz espanhola Elena Anaya, por sua vez, é uma revelação no papel principal. Um deleite visual explorado em série de belíssimos close-ups no quais se revela por meio de olhares entre resignados e selvagens.
É fascinante ver Pedro Almodóvar, que criou uma estética narrativa própria e se estabeleceu ao longo de anos como um dos grandes cineastas de seu tempo, reinventar-se e apresentar algo totalmente diferente. Seu filme sobre vingança, amor, ódio e os limites éticos da ciência é um brinde à criatividade e ao domínio da técnica cinematográfica.
É possível que muitos fãs do diretor se sintam desconfortáveis com esta obra estranha, este suspense sombrio e distante do universo tradicional do diretor, sem tanto senso de humor, sem lágrimas. Por outro lado, é impossível sair indiferente de uma sessão de ‘A Pele que Habito’.
Recomendo!
Nota: 9
Download: ‘A Pele Que Habito’
Título original: (La Piel que Habito)
Lançamento: 2011 (Espanha)
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado em livro de Thierry Jonquet
Duração: 117 min.
Gênero: Drama
Estúdio: El Deseo S.A.
Distribuidora: Sony Pictures Classics (EUA) / Paris Filmes (Brasil)
Elenco:
Antonio Banderas (Roberto Ledgard)
Elena Anaya (Vera Cruz)
Marisa Paredes (Marília)
Jan Cornet (Vicente)
Bianca Suárez (Norma Ledgard)
Ana Mena (Norma Ledgard - criança)
Roberto Álamo (Zeca)
Eduard Fernández (Fulgencio)
Bárbara Lennie (Cristina)
Teresa Manresa (Casilda)
Susi Sánchez (Mãe de Vicente)
Fernando Cayo (Médico)
Buika (Cantora)
Curiosidades
- É o 6º filme em que o diretor Pedro Almodóvar e o ator Antonio Banderas trabalham juntos. Os anteriores foram 'Labirinto de Paixões' (1982), 'Matador' (1986), 'A Lei do Desejo' (1987), 'Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos' (1988) e 'Ata-me!' (1990);
- Há 21 anos Pedro Almodóvar e Antonio Banderas não trabalhavam juntos em um filme;
- Este é o 6º filme em que o diretor Pedro Almodóvar e a atriz Marisa Paredes trabalham juntos. Os anteriores foram 'Maus Hábitos' (1984), 'De Salto Alto' (1991), 'A Flor do Meu Segredo' (1995), 'Tudo Sobre Minha Mãe' (1999) e 'Fale Com Ela' (2002);
- O roteiro passou por nove versões até chegar ao definitivo;
- Pedro Almodóvar tinha interesse em voltar a trabalhar com Penélope Cruz mas, em meio a tantas versões do roteiro, sua personagem perdeu importância na trama;
- As filmagens ocorreram entre 23 de agosto e 19 de novembro de 2010;
- Seu orçamento foi de US$ 13 milhões.
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